A Voz Suprema do Blues é um belo adeus a Chadwick Boseman

Já se foi o tempo em que a Netflix era conhecida apenas por suas séries. O canal de streaming vem lançando filmes de altíssima qualidade não é de hoje, mas nada que preparasse o público para o que aconteceu em 2020. Devido a pandemia do Coronavírus, os streamings se tornaram cada vez mais importantes na vida das pessoas, principalmente quando pensamos em entretenimento. Sem os cinemas, a plataforma digital se tornou uma grande porta de entrada para conteúdos incríveis, como aconteceu com o lançamento de A Voz Suprema do Blues (Ma Rainey’s Black Bottom).

O filme poderia se destacar pela história, inspirada em fatos reais, pela música ou ainda por sua protagonista, aqui vivida brilhantemente por Viola Davis. Mas A Voz Suprema do Blues se tornou mais do que isso e a razão para tal tem nome e sobrenome: Chadwick Boseman. O ator por trás de personagens como Jackie Robinson e o Pantera Negra da Marvel, chegou ao elenco para ser quase um protagonista, beirando o coadjuvante, afinal, uma produção que tenha Viola Davis dificilmente terá outro protagonista. Chadwick nos mostrou que não é bem assim. O ator, falecido em agosto deste ano, mostrou que existia muito mais por trás dos golpes do herói ou ainda das rebatidas do jogador. Chadwick se mostrou um ator brilhante, incrível, desses que não vemos todo dia. E o filme precisava dele para crescer. 

O filme

Viola Davis vive não apenas a protagonista, a cantora Ma Rainey, conhecida por muitos como a Mãe do Blues. Viola Davis entrega uma das performances de sua vida, algo que dura pouco mais 90 minutos, mas que traz tempo suficiente para ficarmos embasbacados com a atriz. Não apenas as mudanças físicas da personagem, como também as expressões, os diálogos e trejeitos de Ma Rainey, interpretados por Viola com tanta facilidade. Ela se mostra um verdadeiro camaleão em tela, liderando as cenas em que aparece e quando canta, encanta. A importância da cantora na história da música negra americana é tanta que seria preciso alguém com o talento de Davis para trazer a cantora a vida. 

A Voz Suprema do Blues fala sobre preconceito, sobre inferioridade, sobre racismo. O filme aborda todas as nuances da exploração sofrida pela cultura negra a favor dos  brancos. Rainey simboliza uma mulher negra, forte e influente, cujo sucesso das músicas extrapolava culturas. Mesmo assim, a cantora teve muitos de seus sucessos apropriados por indústrias e relançados sob vozes de cantoras brancas. O mesmo acontece com Levee (Boseman), cujas composições foram interpretadas por bandas compostas apenas por homens brancos. Chadwick e Viola, Levee e Ma Rainey, pessoas negras símbolo de uma geração, que luta cada vez pelo reconhecimento, pela igualdade, pelo respeito e pelo fim do racismo.  

O elenco

Em muitas ocasiões costumamos dizer que o filme faz o elenco. Existem situações, porém, na qual o elenco faz um filme, como acontece em A Voz Suprema do Blues. A produção se fundamenta toda nas atuações sublimes de seus dois protagonistas, bem como do restante do elenco. A escolha do diretor, George C. Wolfe, em entregar sua produção nas mãos do elenco, lhes dando todo o espaço para criar, foi arriscada. O roteiro do filme, por mais que seja inspirado em uma história real, não é dos melhores. A produção é curta, quase um documentário, trazendo ao público a ideia de algo inacabado ou reduzido. A atuação do elenco, porém, consegue suprir essa ausência de conteúdo e o resultado é um filme que certamente estará em diversas categorias do Oscar.

É difícil falar que esse foi o trabalho da vida de Boseman, principalmente após termos visto filmes como 42. O que podemos e devemos afirmar, contudo, é que essa foi a melhor despedida que Chadwick poderia nos dar. Vemos o ator em seu auge, visivelmente abatido e magro de saúde, mas no auge de seu talento em tela. Como Levee, o ator consegue se sobrepor aos gritos de Viola e o olhar maníaco do trompetista desenvolve um personagem complexo e perturbado pela vida. Levee teve toda a vida destruída pela diferença de tratamento entre brancos e negros. O monólogo que performa ao contar a história da mãe é pesado, é necessário e é assustador pensar, que de fictício não tem nada. 

A Voz Suprema do Blues

O título do filme nos traz uma metáfora, ao mesmo tempo que esclarece a quem se refere. Logo de início pensamos ser óbvio se tratar de Ma Rainey, mas ao final, por que não Levee? Ou ainda Cutler (Colman Domingo)? Muitas foram as vozes supremas do Blues, que lutaram pelo estilo de música e pelo direito de fazer música, com suas próprias liberdades. Marcados por uma vida difícil, Levee e Rainey tem mais em comum do que pensam, traumatizados com o passado e sem forças para seguir o futuro. Em suas próprias cenas de destaque, onde os personagens atingem o auge, ficamos sem respirar até o momento em que a cena muda de cenário. São falas vividas, sofridas e interpretadas da forma mais maravilhosa possível. Mérito do diretor que deu poder a um elenco que precisava ter essa liberdade. O filme forma um nó na garganta do telespectador, difícil de desatar até o final da produção. 

Pensar em A Voz Suprema do Blues é pensar em Chadwick Boseman e no quanto o cinema perdeu com sua partida. Chadwick lutava pelo reconhecimento dos negros, lutava contra o preconceito e o racismo, lutava pelos direitos que não deveriam precisar de luta. Chadwick se despede do mundo com o Blues, mas o mundo certamente não irá se despedir de Chadwick. 

 

A Voz Suprema do Blues está disponível no catálogo da Netflix. 

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