MAIS UMA DICA DE LIVRO PARA VOCÊ!
Em “Guerra e paz”, de
Tolstoi, há uma cena em que a condessa
Natasha Rostova vai com seu irmão
Nikolai à cabana de um “tio”, depois de uma caçada, prova de petiscos russos e dança graciosamente
“Lá vem uma donzela pela rua”, uma cantiga pastoril romântica que ela, criada em salões nobres, nunca ouvira antes.
Segundo o autor russo, a facilidade com que a moça se apropriou da música e da dança camponesa mostra que ali, naquela melodia e letra, estavam o “espírito e os movimentos russos inimitáveis” presentes em todos os homens e mulheres do país. É
nessa cena que o historiador inglês Orlando Figes se inspira para escrever “Uma história cultural da Rússia”, que a Record publica agora no Brasil.
“O que permitiu a Natasha captar tão instintivamente o ritmo da dança? Como pôde entrar tão facilmente nessa cultura de aldeia da qual, pela educação e pela classe social, estava tão afastada? Devemos supor, como Tolstoi nos pede nessa cena romântica, que uma nação como a Rússia pode se manter unida pelos fios invisíveis de uma sensibilidade nativa?
A pergunta nos leva ao centro deste livro.
Ele se denomina uma história cultural. Porém, os elementos de cultura que o leitor aqui encontrará não são apenas grandes obras criativas como
Guerra e paz, mas também artefatos,
desde os bordados populares do xale de Natasha às convenções musicais da canção camponesa.
E são evocados não como monumentos à arte, mas como impressões da consciência nacional que se misturam à política e à ideologia, aos costumes e crenças sociais, ao folclore e à religião, aos hábitos e convenções e a todo o resto do bricabraque mental que constitui uma cultura e um modo de vida”,
escreve o autor na introdução da obra.
Segundo
Figes, nos últimos duzentos anos, na ausência de parlamento e imprensa livre, coube às artes do país refletir sobre política, filosofia e religião. Nesse livro monumental, ele apresenta aos leitores os bordados folclóricos, as canções camponesas, os ícones religiosos e todos os costumes do cotidiano, desde a comida e a bebida até os hábitos de banho,
passando pelas crenças sobre o mundo espiritual.
As personagens do historiador são múltiplas e diversas: vão de Tolstoi à serva
Praskovia Sheremeteva, que se tornou a primeira estrela da ópera russa e chocou a sociedade quando casou com seu mestre, o conde
Nikolai Petrovich, quase vinte anos mais velho.
“De forma extraordinária, talvez exclusiva da Rússia, a energia artística do país foi quase inteiramente dedicada à busca da compreensão da ideia da sua nacionalidade. Em lugar nenhum o artista foi mais sobrecarregado com a tarefa da liderança moral e da profecia nacional, nem mais temido e perseguido pelo Estado.
Alienados da Rússia oficial pela política e da Rússia camponesa pela educação, os artistas russos tomaram a si criar uma comunidade nacional de valores e ideias por meio da literatura e das artes plásticas. O que significava
ser russo? Qual era o lugar e a missão da Rússia no mundo? E onde estava a verdadeira Rússia?
Na Europa ou na Ásia? Em São Petersburgo ou em Moscou? No império do tsar ou na aldeia lamacenta de uma só rua onde morava o “tio” de Natasha?
Estas eram as “malditas perguntas” que ocuparam a mente de todos os escritores, críticos literários e historiadores, pintores e compositores, teólogos e filósofos sérios na época de ouro da cultura russa, de
Pushkin a
Pasternak. São elas as perguntas que estão sob a superfície da arte neste livro.
As obras aqui discutidas representam uma história das ideias e atitudes — conceitos da nação pelos quais a Rússia tentou se entender. Se olharmos com atenção, elas podem se tornar uma janela para a vida intima de uma nação”, escreve o autor.
Começando no século XIX com a construção de São Petersburgo – “uma janela ao oeste” – e culminando com os desafios impostos à identidade russa pelo regime soviético, Orlando Figes escreveu um livro que é considerado uma obra-prima sobre a Rússia. Ele chega às livrarias em agosto, pela Record.
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